1. Introdução e Visão Geral
Este artigo, "O Preço e o Custo do Bitcoin" de Marthinsen e Gordon, aborda um enigma crítico na economia das criptomoedas: a relação entre o preço de mercado do Bitcoin e o seu custo de produção (mineração). Embora uma narrativa popular sugira que o custo de mineração atua como um piso de preço, estudos econométricos empíricos (por exemplo, Kristofek, 2020; Fantazzini & Kolodin, 2020) mostram o oposto — os custos de mineração seguem as mudanças de preço. Esta investigação visa fornecer a teoria económica em falta para explicar esta causalidade observada, indo além da correlação para estabelecer uma cadeia lógica de causalidade do preço para o custo.
2. Revisão da Literatura
2.1 Fatores Económicos e o Preço do Bitcoin
Modelos monetários tradicionais como a Teoria Quantitativa da Moeda (QTM) ou a Paridade do Poder de Compra (PPP) são amplamente ineficazes para a análise do Bitcoin. Isto porque o Bitcoin atualmente funciona mal como uma unidade de conta ou meio de troca generalizados (Baur et al., 2018). A maioria dos bens e serviços são precificados em moedas fiduciárias, com o Bitcoin a atuar mais como um ativo especulativo do que como uma moeda para transações diárias.
2.2 A Hipótese do Custo como Piso de Preço
Uma crença prevalente, mas em grande parte não fundamentada, postula que o custo de criação do Bitcoin (mineração) fornece um nível de suporte fundamental para o seu preço. A lógica é que se o preço cair abaixo do custo de produção, a mineração torna-se não lucrativa, os mineiros cessariam operações e a segurança da rede Bitcoin (mantendo o registo público) ficaria ameaçada (Garcia et al., 2014). Uma crença relacionada é que o preço deve subir com o aumento dos custos de produção.
2.3 Desafios e Lacunas Empíricas
Análises econométricas recentes desmistificaram a teoria do custo como piso, demonstrando que as mudanças nos custos de mineração são respostas atrasadas às mudanças no preço do Bitcoin. No entanto, estes modelos estatísticos, embora identifiquem a direção da correlação, não explicam o porquê — o mecanismo económico subjacente que impulsiona este comportamento. Este artigo procura preencher essa lacuna explicativa.
3. Enquadramento Teórico e Modelo Causal
3.1 A Direção da Causalidade: Preço → Custo
O argumento central é que o preço do Bitcoin é determinado num mercado global e especulativo por fatores como o sentimento dos investidores, notícias regulatórias, tendências macroeconómicas e narrativas de adoção — em grande parte independentes dos custos atuais de mineração. Um preço em ascensão aumenta o potencial de receita para os mineiros, criando um incentivo para que estes invistam em hardware mais e melhor (aumentando a taxa de hash) para competir pelas recompensas de bloco. Este investimento aumenta o custo marginal da mineração (principalmente eletricidade e hardware), fazendo com que os custos sigam o preço.
3.2 Principais Impulsionadores Económicos
- Procura Especulativa: Principal impulsionador da volatilidade de preços a curto e médio prazo.
- Rentabilidade da Mineração: Atua como um ciclo de feedback. Preço alto → Lucro esperado alto → Aumento do investimento/concorrência na mineração → Aumento da taxa de hash e dificuldade da rede → Aumento do custo marginal.
- Ajuste da Dificuldade da Rede: O protocolo do Bitcoin ajusta automaticamente a dificuldade de mineração para manter um tempo de bloco de ~10 minutos. O aumento da concorrência leva a uma maior dificuldade, elevando indiretamente o custo energético por Bitcoin minerado.
4. Enquadramento Analítico e Exemplo de Caso
Enquadramento: Um modelo causal simplificado pode ser representado como um grafo acíclico direcionado (DAG):
Choque Externo (por exemplo, notícias regulatórias positivas) → ↑ Preço de Mercado do Bitcoin → ↑ Rentabilidade Esperada da Mineração → ↑ Entrada de Novos Mineiros e Investimento em ASICs → ↑ Taxa de Hash Total da Rede → ↑ Dificuldade de Mineração (ajuste do protocolo) → ↑ Custo Marginal de Produção (Eletricidade + Depreciação).
Exemplo de Caso (Bull Run 2020-2021): O preço do Bitcoin disparou de ~$5.000 em março de 2020 para mais de $60.000 em março de 2021. Este aumento de preço precedeu uma entrada massiva de investimento em mineração. Empresas como a Marathon Digital e a Riot Blockchain encomendaram novos equipamentos de mineração no valor de milhares de milhões de dólares. A taxa de hash global da rede Bitcoin e a dificuldade de mineração atingiram máximos históricos meses após o início da subida do preço, demonstrando a resposta atrasada dos custos de mineração (capex e opex) aos sinais de preço.
5. Ideia Central e Análise Crítica
6. Detalhes Técnicos e Formulação Matemática
A relação pode ser formalizada. O lucro ($\pi$) de um mineiro por unidade de tempo é:
$\pi = \frac{R}{D \cdot H} \cdot H_m \cdot P - C_e \cdot H_m - C_h$
Onde:
$R$ = Recompensa de bloco (BTC)
$D$ = Dificuldade da Rede
$H$ = Taxa de Hash Total da Rede
$H_m$ = Taxa de Hash do Mineiro
$P$ = Preço do Bitcoin (USD/BTC)
$C_e$ = Custo de Energia por unidade de Taxa de Hash
$C_h$ = Custos Fixos de Hardware (amortizados)
Em equilíbrio competitivo, o lucro esperado tende para zero. Definindo $\pi = 0$ e resolvendo para o preço de equilíbrio $P_{be}$ mostra a sua dependência das condições da rede ($D, H$) que são elas próprias funções de preços passados:
$P_{be} = \frac{D \cdot H}{R} \cdot (C_e + \frac{C_h}{H_m})$
Uma vez que $D$ e $H$ se ajustam para cima em resposta a um $P$ mais elevado com um atraso (devido aos tempos de aquisição e entrega de hardware), $P_{be}$ é uma função de $P$ atrasado, não um determinante do $P$ atual.
7. Aplicações Futuras e Direções de Investigação
- Modelos Preditivos: Incorporar a causalidade preço→custo em modelos de séries temporais mais sofisticados (por exemplo, VAR, LSTMs) para melhorar as previsões de taxa de hash e rentabilidade da mineração a médio prazo.
- Análise de Impacto Ambiental: Usar este enquadramento para modelar a pegada de carbono da mineração de Bitcoin como uma função dos ciclos de preço, auxiliando nas avaliações de sustentabilidade.
- Comparação com Proof-of-Stake (PoS): Aplicar raciocínio económico semelhante para analisar as estruturas de custos e orçamentos de segurança de redes PoS como a Ethereum, onde o "custo" é o custo de oportunidade do capital, não a energia.
- Política Regulatória: Informar a política energética e regulamentos ao compreender que a procura de mineração é elástica ao preço do Bitcoin, não uma carga de base fixa.
- Avaliação de Ações de Empresas de Mineração: Desenvolver melhores modelos de avaliação para empresas de mineração cotadas em bolsa que contabilizem a sua ciclicidade inerente e atraso face ao preço do Bitcoin.
8. Referências
- Marthinsen, J. E., & Gordon, S. R. (2022). The Price and Cost of Bitcoin. Quarterly Review of Economics and Finance. DOI: 10.1016/j.qref.2022.04.003
- Fantazzini, D., & Kolodin, N. (2020). Does the hashrate affect the Bitcoin price? Journal of Risk and Financial Management, 13(11), 263.
- Hayes, A. S. (2019). Bitcoin price and its marginal cost of production: support for a fundamental value. Applied Economics Letters, 26(7), 554-560.
- Baur, D. G., Hong, K., & Lee, A. D. (2018). Bitcoin: Medium of exchange or speculative assets? Journal of International Financial Markets, Institutions and Money, 54, 177-189.
- Brunnermeier, M. K., & Oehmke, M. (2013). Bubbles, financial crises, and systemic risk. In Handbook of the Economics of Finance (Vol. 2, pp. 1221-1288). Elsevier.
- Kristofek, L. (2020). Bitcoin and its mining on the equilibrium path. SSRN Working Paper.
Ideia Central:
Marthinsen e Gordon apresentam uma correção crucial, ainda que tardia, a um mito de mercado generalizado. A teoria do "custo como piso" não está apenas empiricamente errada; está conceitualmente invertida. A mineração de Bitcoin é uma indústria derivada cuja economia é ditada pelo preço de mercado do ativo, e não o contrário. Tratar o custo de mineração como uma métrica fundamental de avaliação é semelhante a avaliar a Tesla pelo custo da eletricidade da sua fábrica — confunde um insumo operacional com o impulsionador da procura especulativa.
Fluxo Lógico:
A lógica do artigo é sólida e alinha-se com a microeconomia básica: os sinais de preço orientam a alocação de recursos. Um preço mais alto do Bitcoin aumenta o produto da receita marginal do poder de hash, atraindo capital e trabalho (neste caso, ASICs e eletricidade) até que o custo marginal de produção suba para encontrar o novo equilíbrio. O ajuste de dificuldade de 14 dias é o mecanismo-chave do protocolo que traduz os aumentos da taxa de hash impulsionados pelo preço em custos sustentados mais elevados.
Pontos Fortes e Fracos:
Pontos Fortes: O artigo fornece com sucesso o elo teórico em falta para descobertas econométricas anteriores. A sua força reside na aplicação da teoria clássica da produção a um ativo digital novo. Desmistifica eficazmente uma heurística perigosa usada por alguns investidores.
Pontos Fracos: A análise, embora correta na direção, é um tanto simplista. Subestima o potencial para uma relação de equilíbrio de longo prazo fraca. Num cenário de depressão prolongada do preço, o desgaste dos mineiros poderia reduzir a taxa de hash e a dificuldade da rede, baixando o custo marginal para os sobreviventes, potencialmente criando um limite inferior solto. Além disso, não integra totalmente o papel das taxas de transação, que podem tornar-se uma parte mais significativa da receita dos mineiros após o halving, potencialmente alterando a dinâmica.
Ideias Acionáveis:
A conclusão deste artigo é apoiada por uma investigação mais ampla na precificação de ativos. Como observado no trabalho seminal sobre bolhas especulativas de Brunnermeier & Oehmke (2013), os preços dos ativos em mercados com crenças heterogéneas e alavancagem podem desacoplar-se de qualquer "custo" fundamental por períodos prolongados. O Bitcoin, com a sua oferta fixa e impulsionadores de procura puramente especulativos, é um exemplo primordial deste fenómeno.